Nomes, Números e Pessoas
Quando me recordo do início da minha carreira, lembro de um acontecimento muito marcante.
Eu estagiava com eventos governamentais em um sindicato na cidade de São Paulo, na Rua Pamplona, travessa da Avenida Paulista. Durante aproximadamente um mês, o tempo que durava o curso de oratória do Prof° Oswaldo Melantonio, conheci um aluno chamado Rafael, muito educado, alinhado, e com uma postura invejável a qualquer lorde inglês.
Já que durante a matrícula comentamos que ele fazia o caminho por perto da minha casa ao sair do curso, sempre me dava caronas no seu carrão ao final da noite, quando terminavam suas aulas e também o meu expediente.
O professor Melantonio, grande mestre, sempre muito amável, chamava-o de Rafa e mesmo com todo o respeito que tínhamos por aquele homem, passamos a chamá-lo assim. Inclusive eu, que acabei criando certa amizade durante tantas viagens.
Certo dia quando saíamos do sindicato ele fez uma brincadeira comigo (elas eram muito raras!) e perguntou se eu tinha namorada. Expliquei que estava no primeiro ano da faculdade, “curtindo” o tempo de estudante sem relacionamentos sérios e aproveitando o tempo que teria morando sozinho em São Paulo.
Ele ficou mudo até quase chegarmos à porta da minha casa, sem dar indícios de qualquer julgamento sobre minha resposta, dirigindo tranquilamente pelas ruas.
Aproveitei a brecha e toda a curiosidade latente de moleque sobre aquele amigo tão reservado e perguntei se era casado.
Sua resposta me marcou de maneira talvez um pouco assustadora, talvez um pouco surpreendente, mas certamente inesperada.
Lembro que aquele homem sério e muito calado ficou com os olhos molhados ao responder:
“Conheci a mulher da minha vida quando tinha 24 anos. Depois, quando fiz 30 anos, consegui perdê-la e nunca mais a conquistei novamente. Tentei me relacionar muitas outras vezes, mas era ela, sabe? Ela nunca mais voltou..."
Não só passamos o resto da viagem em silêncio como aquele homem, o Rafa, o senhor Rafael a partir daquele dia, não comentou mais sobre caronas até o final do curso.
Aquelas palavras, ditas para um garoto ainda leviano de pouco mais de 18 anos que acabara de ingressar na faculdade e iniciara finalmente sua vida de relacionamentos profissionais e, de certo modo, também os pessoais, acabaram por bater na minha cabeça como um sino de catedral.
De tempos em tempos, a cada nova escolha que faço e que envolve pessoas, penso um pouco no Rafa.
Naquele homem sério, de terno preto, alhos azuis profundos e graves que acredita numa pessoa certa, e apenas numa pessoa, para a sua vida. Penso que aquela mulher foi para ele como Beethoven para a música, Leonardo da Vinci ou Picasso para as artes ou Albert Einstein para as ciências. Alguém insubstituível e inimaginavelmente necessária e inspiradora, capaz de quebrar essa crença que temos hoje de que todo mundo é substituível. Ele tinha lá seus 50 anos e não encontrara ninguém para substituir aquele amor.
Então comecei a pensar na matrícula da faculdade (então 204100), no meu RG, nos crachás das empresas em que trabalhei contendo apenas números e cargos, nos funcionários que eram revistados na saída das fábricas de medicamentos e nas pessoas que cruzaram comigo por todos esses caminhos. Pessoas que, muitas vezes, foram também números em série, analistas, estagiários, alunos numa lista de escola, doentes nas filas de hospitais, gênios e burros retratados por notas de zero a dez.
Todas elas pessoas sim, mas avaliadas em notas de zero a dez. Vez por outra trocadas, marginalizadas, "trucadas" e jogadas para escanteio.
Noutras vezes, porém, foram pessoas por mim subestimadas ou até insubstituíveis. Por mim, por si mesmas e por todos.
E na última semana recebi o texto abaixo num e-mail enviado pela minha tia. Novamente me perguntei:
E você, é insubstituível?
Na sala de reunião de uma multinacional o diretor nervoso fala com sua equipe de gestores. Agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um, ameaça: “ninguém é insubstituível".
A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio.
Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça. Ninguém ousa falar nada. De repente um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido:
- Alguma pergunta?
- Tenho sim. E Beethoven?
- Como? - encara o gestor confuso.
- O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu Beethoven?
Silêncio.
O funcionário então diz:
- Ouvi essa estória esses dias, contada por um profissional que conheço, e achei muito pertinente falar sobre isso.
Afinal as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos, mas, no fundo, continuam achando que os profissionais são peças dentro da organização e que, quando sai um, é só encontrar outro para por no lugar.
Quem substituiu Beethoven? Tom Jobim? Ayrton Senna? Ghandi? Frank Sinatra? Garrincha? Santos Dumont? Monteiro Lobato? Elvis Presley? Os Beatles? Jorge Amado? Pelé? Paul Newman? Tiger Woods? Albert Einstein? Picasso? Zico?
Todos esses talentos marcaram a história fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem, ou seja, fizeram seu talento brilhar. E, portanto, são sim insubstituíveis.
Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direcionado para alguma coisa. Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe focando no brilho de seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar seus 'gaps'.
Ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi preguiçoso, Kennedy egocêntrico, Elvis paranóico... O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos.
Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto.
Se seu gerente/coordenador, ainda está focado em 'melhorar as fraquezas' da sua equipe corre o risco de ser aquele tipo de líder que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo. E na gestão dele o mundo teria perdido todos esses talentos.
Nunca me esqueço de quando o Zacarias dos Trapalhões 'foi pra outras moradas'. Ao iniciar o programa seguinte, o Dedé entrou em cena e falou mais ou menos assim:
"Estamos todos muito tristes com a 'partida' de nosso irmão Zacarias... e hoje, para substituí-lo, chamamos: Ninguém... pois nosso Zaca é insubstituível"
Portanto nunca esqueça: Você é um talento único. Com toda certeza ninguém o substituirá.
"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. Por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso".
Eu estagiava com eventos governamentais em um sindicato na cidade de São Paulo, na Rua Pamplona, travessa da Avenida Paulista. Durante aproximadamente um mês, o tempo que durava o curso de oratória do Prof° Oswaldo Melantonio, conheci um aluno chamado Rafael, muito educado, alinhado, e com uma postura invejável a qualquer lorde inglês.
Já que durante a matrícula comentamos que ele fazia o caminho por perto da minha casa ao sair do curso, sempre me dava caronas no seu carrão ao final da noite, quando terminavam suas aulas e também o meu expediente.
O professor Melantonio, grande mestre, sempre muito amável, chamava-o de Rafa e mesmo com todo o respeito que tínhamos por aquele homem, passamos a chamá-lo assim. Inclusive eu, que acabei criando certa amizade durante tantas viagens.
Certo dia quando saíamos do sindicato ele fez uma brincadeira comigo (elas eram muito raras!) e perguntou se eu tinha namorada. Expliquei que estava no primeiro ano da faculdade, “curtindo” o tempo de estudante sem relacionamentos sérios e aproveitando o tempo que teria morando sozinho em São Paulo.
Ele ficou mudo até quase chegarmos à porta da minha casa, sem dar indícios de qualquer julgamento sobre minha resposta, dirigindo tranquilamente pelas ruas.
Aproveitei a brecha e toda a curiosidade latente de moleque sobre aquele amigo tão reservado e perguntei se era casado.
Sua resposta me marcou de maneira talvez um pouco assustadora, talvez um pouco surpreendente, mas certamente inesperada.
Lembro que aquele homem sério e muito calado ficou com os olhos molhados ao responder:
“Conheci a mulher da minha vida quando tinha 24 anos. Depois, quando fiz 30 anos, consegui perdê-la e nunca mais a conquistei novamente. Tentei me relacionar muitas outras vezes, mas era ela, sabe? Ela nunca mais voltou..."
Não só passamos o resto da viagem em silêncio como aquele homem, o Rafa, o senhor Rafael a partir daquele dia, não comentou mais sobre caronas até o final do curso.
Aquelas palavras, ditas para um garoto ainda leviano de pouco mais de 18 anos que acabara de ingressar na faculdade e iniciara finalmente sua vida de relacionamentos profissionais e, de certo modo, também os pessoais, acabaram por bater na minha cabeça como um sino de catedral.
De tempos em tempos, a cada nova escolha que faço e que envolve pessoas, penso um pouco no Rafa.
Naquele homem sério, de terno preto, alhos azuis profundos e graves que acredita numa pessoa certa, e apenas numa pessoa, para a sua vida. Penso que aquela mulher foi para ele como Beethoven para a música, Leonardo da Vinci ou Picasso para as artes ou Albert Einstein para as ciências. Alguém insubstituível e inimaginavelmente necessária e inspiradora, capaz de quebrar essa crença que temos hoje de que todo mundo é substituível. Ele tinha lá seus 50 anos e não encontrara ninguém para substituir aquele amor.
Então comecei a pensar na matrícula da faculdade (então 204100), no meu RG, nos crachás das empresas em que trabalhei contendo apenas números e cargos, nos funcionários que eram revistados na saída das fábricas de medicamentos e nas pessoas que cruzaram comigo por todos esses caminhos. Pessoas que, muitas vezes, foram também números em série, analistas, estagiários, alunos numa lista de escola, doentes nas filas de hospitais, gênios e burros retratados por notas de zero a dez.
Todas elas pessoas sim, mas avaliadas em notas de zero a dez. Vez por outra trocadas, marginalizadas, "trucadas" e jogadas para escanteio.
Noutras vezes, porém, foram pessoas por mim subestimadas ou até insubstituíveis. Por mim, por si mesmas e por todos.
E na última semana recebi o texto abaixo num e-mail enviado pela minha tia. Novamente me perguntei:
E você, é insubstituível?
Na sala de reunião de uma multinacional o diretor nervoso fala com sua equipe de gestores. Agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um, ameaça: “ninguém é insubstituível".
A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio.
Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça. Ninguém ousa falar nada. De repente um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido:
- Alguma pergunta?
- Tenho sim. E Beethoven?
- Como? - encara o gestor confuso.
- O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu Beethoven?
Silêncio.
O funcionário então diz:
- Ouvi essa estória esses dias, contada por um profissional que conheço, e achei muito pertinente falar sobre isso.
Afinal as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos, mas, no fundo, continuam achando que os profissionais são peças dentro da organização e que, quando sai um, é só encontrar outro para por no lugar.
Quem substituiu Beethoven? Tom Jobim? Ayrton Senna? Ghandi? Frank Sinatra? Garrincha? Santos Dumont? Monteiro Lobato? Elvis Presley? Os Beatles? Jorge Amado? Pelé? Paul Newman? Tiger Woods? Albert Einstein? Picasso? Zico?
Todos esses talentos marcaram a história fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem, ou seja, fizeram seu talento brilhar. E, portanto, são sim insubstituíveis.
Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direcionado para alguma coisa. Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe focando no brilho de seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar seus 'gaps'.
Ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi preguiçoso, Kennedy egocêntrico, Elvis paranóico... O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos.
Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto.
Se seu gerente/coordenador, ainda está focado em 'melhorar as fraquezas' da sua equipe corre o risco de ser aquele tipo de líder que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo. E na gestão dele o mundo teria perdido todos esses talentos.
Nunca me esqueço de quando o Zacarias dos Trapalhões 'foi pra outras moradas'. Ao iniciar o programa seguinte, o Dedé entrou em cena e falou mais ou menos assim:
"Estamos todos muito tristes com a 'partida' de nosso irmão Zacarias... e hoje, para substituí-lo, chamamos: Ninguém... pois nosso Zaca é insubstituível"
Portanto nunca esqueça: Você é um talento único. Com toda certeza ninguém o substituirá.
"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. Por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso".
Marcadores: Desenvolvimento, Insubstituível, Pessoas, Substituição, Trabalho
1 Comentários:
Gostaria de acrescentar ao texto, que as organizações e gestores precisariam se lembrar que o Cliente também não é um número, e que também é insubstituível, já que cliente perdido (ou ganho) são sempre dois. Um a menos para você e um a mais para a concorrência.
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